“O jornalismo morreu!” - é a afirmação ouvida insistentemente, mas contestada pelo jornalista brasileiro Paulo Silvestre, consultor dos media e cultura digital, que afirma que “o jornalismo nunca esteve tão vivo”:
“Para mim, a história da morte do jornalismo faz parte de uma tríade de bobagens que me incomodam há alguns anos. As outras duas são que as pessoas não lêem mais, e que não querem mais pagar por conteúdo.” A sua reflexão vem no Observatório da Imprensa do Brasil, com o qual mantemos um acordo de parceria.
Para o autor, o facto é que “as pessoas nunca consumiram tanto conteúdo, inclusive jornalístico. E, apesar do avanço do vídeo digital, a maior parte de todo esse conteúdo chega de forma escrita. A responsável por isso é a combinação dos smartphones com as redes sociais, que começou a se desenhar há uns dez anos”.
“O primeiro é um computador poderoso, permanentemente online, que carregamos em nosso bolso para onde formos. Já as segundas cumprem o papel de seleccionar e entregar o conteúdo de acordo com as nossas necessidades. Ou seja, as pessoas nem precisam ir até as notícias: elas vêm até ao público.” (...)
E Paulo Silvestre adianta:
“O problema disso é que as pessoas consomem cada vez mais o que os algoritmos de relevância das redes sociais consideram interessante, o que não é necessariamente bom. Perde força a curadoria feita pelos editores, sendo substituída pelas curtidas dos nossos amigos, que ajudam o Facebook e afins a determinar o que deve ser promovido.”
“Sem entrar no mérito de que isso aumenta enormemente o risco de deixarmos de consumir conteúdo que deveríamos, isso nos leva à terceira das bobagens acima, aquela que diz que as pessoas não querem mais pagar por conteúdo. Sim, as pessoas pagam por conteúdo, desde que faça sentido para elas!” (...)
O autor cita depois o exemplos de duas primeiras páginas quase iguais, de dois jornais brasileiros de referência, para fazer a sua crítica ao tipo de jornalismo que praticam:
“O facto de serem incrivelmente parecidas não é coincidência. Resulta do facto de que os veículos têm investido pouco em reportagem, que é a alma do bom jornalismo. Ao invés disso, vivem de denúncias, de ‘jornalismo palaciano’ (acompanhamento de acontecimentos de fontes oficiais), de denuncismo. Ou seja, uma mesmice crónica resultante de uma apuração rasa, feita por uma mão de obra cada vez menos qualificada e barata (os mais experientes — e caros — foram quase todos demitidos nos últimos anos).”
Por contraste, cita o exemplo de The Washington Post e a transformação que nele foi operada pelo novo proprietário, Jeff Bezos, que “aplicou ao jornalão duas de suas máximas mais conhecidas: ‘preste mais atenção em seus consumidores que em seus concorrentes’ e ‘se você dobra seus experimentos, você duplica sua inventividade’.”
“Em outras palavras, foi necessário um mogul do e-commerce para meter o dedo na ferida do jornal e fazer as mudanças necessárias, inclusive correndo riscos. Tudo para se aproximar de seu cliente, tornar o seu produto mais relevante.” (...)
O artigo na íntegra, no Observatório da Imprensa
O ano passado foi desastroso para a liberdade de imprensa no Brasil, frisou um relatório da organização não-governamental Repórteres sem Fronteiras (RSF).
De acordo com o estudo, o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, bem como três dos seus filhos, que actuam na área da política, foram responsáveis por 469 ataques contra jornalistas, número que corresponde a 85% do total registado no país.
O maior número de ataques partiu do deputado federal Eduardo Bolsonaro, com 208 infracções, seguido do chefe de Estado (103), do vereador Carlos Bolsonaro (89) e do senador Flávio Bolsonaro (69).
Ademais, 11 dos 22 ministros de Bolsonaro criticaram a imprensa em 2020. Damares Alves, chefe da pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos, foi a principal “agressora” (19 ataques), seguindo-se-lhe o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub (17).
O relatório dos Repórteres Sem Fronteiras observou, da mesma forma, que as redes sociais foram as plataformas preferidas para a ofensiva realizada.
De acordo com a organização, a hostilidade do “sistema Bolsonaro” reflecte “como o Presidente, a sua família e os seus partidários refinaram, no último ano, um sistema focado na descredibilização da imprensa e no silenciamento de jornalistas críticos e independentes, considerados inimigos do Estado“.
Com o agravamento dos ataques aos profissionais de “media”, as redacções estão a alterar algumas das suas directivas éticas, para garantir a segurança dos seus colaboradores, notou Kelly McBride num artigo publicado no “site” do Instituto Poynter.
De acordo com a autora, as redacções recomendam, agora, que os jornalistas evitem utilizar indumentárias que os identifiquem enquanto colaboradores do sector mediático. O mesmo se aplica a veículos e material de reportagem, que não devem incluir logotipos das empresas de comunicação.
Neste sentido, as redacções alertam que pedir entrevistas pode ser arriscado, especialmente durante a cobertura de manifestações.
Assim, nestas circunstâncias, os profissionais devem estar sempre acompanhados, e observar os comportamentos dos cidadãos que pretendem entrevistar, evitando aqueles que mostrem sinais de antipatia perante os “media”.
Por outro lado, os jornalistas devem ter as respectivas credenciais, para mostrarem às autoridades, caso necessário.
Os fotojornalistas devem evitar, igualmente, situações de risco. Assim, sugere-se que estes profissionais captem imagens a partir de edifícios ou com uma câmara aérea. Se não houver essa possibilidade, o material de reportagem deve ser discreto.
O Instituto Poynter ressalva, ainda, que os jornalistas “freelancer” são o principal “grupo de risco”. Por isso, é recomendável que façam a cobertura de manifestações acompanhados por outros colegas de profissão.
Ao completar 40 anos de actividade ininterrupta o CPI – Clube Português de Imprensa tem um histórico de que se orgulha. Foi a 17 de dezembro de 1980 que um grupo de entusiastas quis dar forma a um projecto inédito no associativismo do sector.
Não foi fácil pô-lo de pé, e muito menos foi cómodo mantê-lo até aos nossos dias, não obstante a cultura adversarial que prevalece neste País, sempre que surge algo de novo que escapa às modas em voga ou ao politicamente correcto.
O Clube cresceu, foi considerado de interesse público; inovou ao instituir os Prémios de Jornalismo, atribuídos durante mais de duas décadas; promoveu vários ciclos de jantares-debate, pelos quais passaram algumas das figuras gradas da vida nacional; editou a revista Cadernos de Imprensa; teve programas de debate, em formatos originais, na RTP; desenvolveu parcerias com o CNC- Centro Nacional de Cultura, Grémio Literário, e Lusa, além de outras, com associações congéneres estrangeiras prestigiadas, como a APM – Asociacion de la Prensa de Madrid e Observatório de Imprensa do Brasil.
A convite do CNC, o Clube juntou-se, ainda, à Europa Nostra para lançar, conjuntamente, o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva para a Divulgação do Património Cultural, instituído pela primeira vez em 2013, em, homenagem à jornalista, que respirava Cultura, cabendo-lhe o mérito de relançar o Centro e dinamizá-lo com uma energia criativa bem testemunhada por quem a acompanhou de perto.
Mais recentemente, o Clube lançou os Prémios de Jornalismo da Lusofonia, em parceria com o jornal A Tribuna de Macau e a Fundação Jorge Álvares, procurando preencher um vazio que há muito era notado.
Uma efeméride “redonda” como esta que celebramos é sempre pretexto para um balanço. A persistência teve as suas recompensas, embora, hoje, os jornalistas estejam mais preocupados com a sua subsistência num mercado de trabalho precário, do que em participarem activamente no associativismo do sector.
Sabemos que esta realidade não afecta apenas o CPI, mas a generalidade das associações, no quadro específico em que nos inserimos. Seriam razões suficientes para nos sentarmos todos à mesa, reunindo esforços para preparar o futuro.
Com este aniversário do CPI fica feito o convite.
A Direcção